Aproveitamos a passagem desse “monstro” – no melhor sentido da palavra – por São Paulo, e marcamos um bate-papo para conhecer um pouco da trajetória com seus tambores no mundo da música gravando e tocando os mais variados gêneros musicais.
Soundcheck: De onde vem a música?
Cobra: A música veio de meu pai e de minha mãe. Meu pai, percussionista e por parte da minha mãe o meu avô, descendente de escravos, que era músico. Tão apaixonado por música que colocou o nome das suas filhas, minha mãe Cecilia e minha tia Ana, em homenagem a Filarmônica Lyra Ceciliana de Cachoera- BA.
Então a música veio assim, de família e de meu pai, boêmio que me levava quando ia tocar nas rodas de samba em Salvador.
Soundcheck: Como começou a tocar?
Cobra: Apanhava muito da minha mãe, quando pegava aqueles vasos, potes… tocava com aquilo, estourava tudo e quando minha mãe chegava quebrava o pau em mim. (risos)
Comecei a tocar na Igreja, apesar de ser uma família de raiz africana, minha vó, mãe de minha mãe era evangélica e me levava para tocar na igreja junto com meu tio João que me deixava com uma pandeirola.
Soundcheck: Teve algum tipo de estudo formal?
Cobra: Eu sou um músico da rua e só fui para escola de música depois de algum tempo tocando. Aprendi a ler e escrever um pouquinho por causa dos incentivos de Letieres Leite, que é um cara que me encanta e que valoriza muito a percussão.
Soundcheck: Seu primeiro contato profissional com a música, quando aconteceu?
Cobra: Quando foi na década de 80, conheci Carlinhos Brown, por intermédio de um grande amigo o Baldino (percussionista) – um dos melhores percussionistas da Bahia – que me apresentou a Brown que na época tinha um grupo percussivo chamado “Vai quem vem”, que fazia umas batidas de funk só com tambores, que o Brown costumava chamar de “charminho”.
O Brown foi o cara que me ensinou a tocar, ele tem uma coisa muito bonita. Quando ele chama você para tocar, ele te passa segurança e acredita em você.
É por isso que eu passo a confiança quando também estou trabalhando com outros músicos. Eu aprendi a tocar dessa forma!
Soundcheck: Em qual momento você percebeu que estava no caminho certo?
Cobra: Em 95, quando eu tinha 18 anos, Brown me chamou para gravar o “Alfagamabetizado”, o disco que abriu portas para mim.
Pegar um cara de 18 anos, levar para um estúdio, na França, para gravar ao lado de músicos que tocaram com Salif Keita, e tantos outros nomes… isso para mim foi sensacional!
Depois desse disco, minha vida mudou. Comecei a gravar com muitos artistas de Salvador, como Marcia Freire, Margareth Menezes, Carla Visi, Marisa Monte… muita gente que eu já nem lembro mais.
Soundcheck: Durante sua carreira, quais outras influências contribuíram para sua evolução?
Cobra: Além do Brown, tive grandes outras referencias, como: Tripé, Léo Bit Bit, Boghan que gravava efeitos como ninguém… o Márcio Victor que naquela época tinha uns 15 anos, Gustavo Di Dalva… esses caras que gravavam com todo mundo na época, os caras que chamavam a atenção e eu queria fazer parte daquele time. Além de grandes outros percussionistas como o Bajara, Tony Mola…
O Gustavo, mesmo… sempre foi um cara inovador que eu ia ver o cara tocar só para tentar imitar ele. Marcio também, é um amor, um cara que sei lá… do bem demais comigo e que junto com Fabinho me ensinaram muitas coisas, a tocar timbales…
Hoje, escutar elogios desses e de todos outros percussionistas, que quando passa por mim dizem: benção meu tio! Sem palavras, me sinto feliz e realizado!
Soundcheck: Como foi participar de projetos como o Timbalada?
Cobra: Timbalada foi uma das maiores experiências da minha vida, aquela mistura toda que rolava por lá, mexeu com a minha cabeça, como todo o tempo que estive com Ivete, que está entre as grandes experiências da minha vida.
Na verdade, essas histórias me deixam muito emocionado, porque lembro de pessoas que foram muito importantes na minha carreira.
Soundcheck: Como surgiu a possibilidade de tocar com Ivete Sangalo?
Cobra: Foi assim, depois que eu voltei de um tour com o Brown, recebi uma ligação de uma pessoa dizendo que era Ivete Sangalo, eu disse: que Ivete Sangalo coisa nenhum e desliguei achando que era trote. (risos)
Ai o falecido Jô (percussionista), que estava tocando com a Ivete na época me ligou dizendo: negão, a Ivete está ligando para você! Bom, aí fui lá na “Caco de Telha” falar com ela que me disse que queria um cara para substituir Márcio – enquanto ele fazia uma turnê com o Gilberto Gil – e que tocasse na mesma vibe que ele.
Eu disse que não sabia se ia tocar na mesma vibe que ele, mas tentaria fazer o que Márcio fazia e fui para o primeiro dia de ensaio. E na música “Levada louca” fiz um solo de timbal que ela virou e disse: negão, você não sai mais daqui!
E é muito louco tudo isso porque foi uma construção, mesmo. Eu não sabia tocar surdo, bacurinha e repique junto e Fabinho foi me ensinando a tocar esses instrumentos e o que aconteceu é que começamos a desenvolver os ritmos juntos e quando Márcio voltou, Ivete fez um show em Salvador e me apresentou como o novo percussionista que iria ficar tocando junto com Fabinho e Marcio.
“Foi um dia muito emocionante, nos abraçamos, eu, Márcio e Fabinho e chorando, escutei desses caras que o sonho deles era tocar comigo!”
Eu vim da Timbalada, Marcio veio do Olodum e Fabinho veio do Samba. Juntamos todas essas influências com Toinho (baterista) – um cara mais estudado – e começamos a construções de ritmos em Ivete Sangalo.
Foram 13 anos da minha vida tocando com Ivete até que em 2013 eu pedi para sair, porque eu sentia uma necessidade de, também, tocar com outra galera.
Soundcheck: Como foi chegar no cenário da música sertaneja?
Cobra: Tudo indo muito bem, até que pinta na minha vida, Bruninho e Dudu Borges.
Gravei o primeiro disco da carreira do Bruninho & Davi, que por incrível que parece, o meu primeiro disco sertanejo. A partir daí comecei a gravar uma coisa aqui outra ali… até que em um belo dia, estava no estúdio para gravar uma balada no disco do John Kip quando peguei uma bacurinha e o pessoal se espantou: bacurinha na balada!?
Bom, coloquei uma bacurinha, um agogô, um timbal e no fim ainda coloquei um xequerê… e aí o Dudu disse: que porra foi essa que você fez, bicho!? Tá parecendo, assim… uma coisa meio Michel Jackson (risos)
E desse dia para cá, venho gravando muito sertanejo. Gravei Luan Santana, Jorge & Matheus, Henrique & Diego, Daniel, Cesar Menotti & Fabiano…
Soundcheck: Como é trabalhar com esse gênero musical?
Cobra: Uma coisa que me deixa feliz, é o fato do sertanejo ter abraçado a percussão baiana na onda deles. A música baiana já foi muito descriminada, as pessoas falavam que era música de favelado, dos batuqueiros e hoje já não falam mais isso.
Brown é um cara que, também, gosta disso, dessa coisa do sertanejo ter abraçado os percussionista baianos. Tem muitos que, hoje, estão no mercado do sertanejo.
“Olhar essa mistura, para mim é uma alegria!”
Nos somos um pais da miscigenação, da mistura e algumas pessoas não entenderam isso ainda. É por isso que quando eu vejo a percussão em outros ritmos como eu estou vendo no sertanejo, fico feliz.
Soundcheck: Hoje você é uma referência na percussão, como vê isso?
Cobra: Isso me deixa muito feliz. As pessoas chegam para mim e falam que eu, o Marcio e o Fabinho, mudamos a percussão baiana, e levamos para outros gêneros.
Hoje encontrei com uns meninos e eles me disseram que a percussão do sertanejo tem a influencia de nós três. E isso me deixa muito feliz, só de saber que eu influenciei algumas pessoas.
Isso tudo é resultado do que fizemos na Ivete. Os três surdos, os três timbales, as quatro bacurinhas, os dois atabaques, trio de congas… a gente misturava tudo. Que zora, nego!
Soundcheck: Voltar a trabalhar com a Ivete nesse DVD em Trancoso, como foi?
Cobra: Esse DVD em Trancoso – BA, ela chamou eu e o Marcio, disse que estava nos chamando por que para ela somos os melhores e que nós entendemos o som dela e também sabemos o que ela gosta. Quem disse isso foi ela, pelo amor de Deus! (risos)
Eu só tenho que agradecer à Deus por estar tocando com toda essa galera!
Ela queria fazer esse DVD acústico, mas que não poderia tirar a percussão e que teria que ter os três surdos, o atabaque… como ela mesmo diz: meu xacundum.
“É percussão baiana, tem que balançar!”
Soundcheck: Um bom percussionista precisa ter afinidade com vários ritmos, quais as suas?
Cobra: Me encanta os sons de Recife, uma terra que eu amo e sou apaixonado, assim como o Maranhão.
Gosto do Samba de roda de Santo Amaro, o Samba duro de Salvador, Samba de caboclo… Sou de uma terra mestiça, que tenho orgulho em dizer que tem mais de uns 300 ritmos, e não estou falando da Bahia, estou falando do Brasil. Nossa terra é umas das que mais tem ritmos no mundo!
Soundcheck: Qual sua relação com a com a música gospel?
Cobra: Foi dentro da igreja que eu aprendi a tocar efeito, algo que foi fundamental para chegar nos discos do Luan Santana, Jorge & Mateus, Marisa Monte…
Cheguei na igreja através de Ferreirinha, que hoje é Pastor… um cara que orou pela minha vida e me apresentou a igreja.
Aprendi muitas coisas dentro da igreja vendo o Valentino (percussionista), que tem umas colocações de efeito e divisões que me chamavam a atenção.
Soundcheck: Quais os projetos que você está envolvido atualmente?
Cobra: Começamos em 2014, o “Groovada” junto com Márcio Brasil e Gustavo Di Dalva que passou a ganhar vida. Misturar todas as nossas influencias e trazer de volta alguns instrumentos percussivos, afro baiano que estavam sendo esquecidos.
E pretendemos fazer do Groovada um projeto social, por que o povo precisa de comer e precisamos ajudar o povo. Não é só descriminar porque o cara está com uma arma na mão, tem que dar oportunidades, estar com um timbal, com um surdo, uma caixa… para tocar. O Groovada, hoje, já está sendo uma evolução na Bahia.
“Esse é o nosso sonho, colocar o Groovada na rua para fazer história.”
Tenho um outro projeto que quero dar para Deus de presente, que é uma banda para convidar os cantores para levarmos a mensagem de Deus por vários lugares.
Montei um estúdio com um amigo o Hilton Mendes que me chamou para ser sócio dele e com isso comecei a produzir alguns discos. Recentemente fiz a produção do disco do Séo Fernandes em parceria com o Hilton e arranjado por Jorge Meireles… e as coisas vem acontecendo muito bem.
Soundcheck: Está valendo a pena ter se dedicado, a vida toda, a percussão?
Cobra: Olhando para trás, me da uma vontade de voltar a ser jovem novamente só para fazer as mesmas coisas, tudo de novo!
Valeu muito a pena, todas as porradas que eu tomei de minha mãe e de meu pai… as vezes que fugi de casa para tocar com Brown, tudo valeu a pena.
Tive boas influências, e agradeço a Deus por tudo isso e por estar me conduzindo por um monte de lugares.
Cobra, só tenho que te agradecer pela moral e por me dar a liberdade de contar aqui no blog, um pouco da sua história. Vlw mano!
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