Depois de muito tempo sem nos encontrar, fui até o Alta Frequência, rever e bater um papo, regado a muito tereré, com esse companheiro das antigas que hoje, como Produtor Musical, vem se destacando no cenário musical sertanejo emplacando vários sucessos.
Soundcheck: Como surgiu o interesse pela música?
Flávio Guedes: Venho de uma família de músicos. Meu vô tinha uma banda de baile chamada “Musical 80” em Dourados-MS, e como ele era o dono da banda, sempre tinha vários instrumentos em casa.
Ainda teve a igreja onde a música é muito presente e também onde meu vô tocava junto com mais dois tios.
Na minha família, qualquer reunião, o pessoal começava a cantar os louvores e já se percebia as vozes divididinhas… isso era algo normal.
Era até engraçado, por que na escola, a gurizada começava a cantar tudo desafinado e aquilo chamava minha atenção, por que para mim era diferente ouvir o pessoal cantar daquele jeito, desafinado! (risos)
Soundcheck: E quando foi seu primeiro contato com a bateria?
Flávio Guedes: Eu só via a bateria e achava aquilo muito massa, até que com sete anos de idade um tio que tocava teclado me deu as primeiras aulas de bateria. Sentei e foi meio que automático, aquele “tum tis tá” já saiu de imediato.
Nessa época ainda morávamos em Dourados – MS, mas lá pela quarta aula com meu tio, ele se mudou e eu mais tarde acabei me mudando, junto com a minha mãe, para Campo Grande – MS, onde todo os dias eu passava na frente de uma casa e escutava um barulho de bateria, até que um dia parei e perguntei se o cara dava aula de bateria. Só que uns cinco meses, fazendo aulas com esse cara, ele arrumou um trabalho e acabou me deixando como professor dos alunos dele em troco de poder usar a bateria quando eu precisasse porque nem bateria eu tinha. Era difícil, mano! Não tinha grana era muita quebradera! Mas foi onde tudo começou.
Soundcheck: Já imaginava ou tinha a intensão de se tornar um baterista profissional?
Flávio Guedes: Não imaginava que um dia eu ia viver de música. Eu queria tocar… queria fazer alguma coisa até porque quando me mudei para Campo Grande, não conhecia ninguém.
O engraçado foi que, eu com uns 13 anos, já conseguia comparar o que eu tocava com o que o batera tocava na igreja, e um dia eu fui tocar no lugar dele… E mano, você não acredita, uma mina veio chorando dizendo que eu tinha acabado com o Louvor e tal… aquilo me deixou mau, decepcionado, sem entender porque eu, que tocava tão bem quanto o cara, tinha acabado com o Louvor. (risos)
Soundcheck: Você sempre gostou de estudar?
Flávio Guedes: O meu primo, Gesiel Campos “Gê” (guitarrista), é um cara que sempre estudou muito e aí como ficávamos muito tempo junto só estudávamos, falava de música e ouvia muitas coisas o tempo todo!
Vivíamos naquele mundo, não estávamos preocupados em tocar para aparecer ou por querer ser profissional, não tinha nada disso. Tínhamos uma banda gospel e queríamos tocar na igreja, só isso.
Soundcheck: Quais eram essas referências musicais na época?
Flávio Guedes: Ouvíamos de tudo, mas as maiores influências eram sem dúvida, Oficina G3, Dream Theater… cara, acordava ia tomar um tereré escutando Oficina G3, tomava outro tereré, e Dream Theater… devorava esses sons! Resgate então, tinha a discografia toda!
Essa era nossa vida. Nada era pensando em grana.
Soundcheck: Como foi começar a tocar fora da igreja?
Flávio Guedes: Chegou uma época que estávamos tocando bem, até por que só ouvia coisa boa, mas não tínhamos grana nenhuma. Não tinha como tocar com um instrumento legal. Por exemplo: eu tocava com uma batera Premium, o Jasiel Xavier (baixista) tocava com um baixo Rockwood… mano, para você ter uma ideia, o baixo era tão ruim que quando íamos tocar em uma igreja grande ele tinha que pegar emprestado um Strinberg. Enfim… era muita carpida! (risos)
Com isso começamos a chegar em uma conclusão, que se começássemos a tocar na noite íamos ganhar uma grana e poderíamos ter instrumentos melhores. E aí em 2004, bem no início, quando tudo estava começando a rolar esse sertanejo universitário, começamos a entrar na noite.
Nessa época, mesmo com o pouco que ganhava de cachê, tocando de quinta a domingo eu já tirava uns milão. Valor que para época, com 16 anos, era uma boa grana e aí eu pirei. (risos)
A primeira coisa que eu fiz foi vender a bateria Premium que eu tinha para completar o dinheiro para conseguir comprar uma caixa legal e um trio de Sabian B8 que precisava para tocar na noite. Só um tempo depois que a minha mãe viu que eu estava sem batera e me esforçando, acabou me ajudando, e finalmente pude ter os pratos, caixa e a batera.
Soundcheck: Com quem você tocou nesse começo?
Flávio Guedes: logo no inicio fui tocar com a Janaynna Targino, depois veio a Patricia & Adriana, que já deu uma moral para a gente, porque era uma responsa… quem tocava com as meninas tinha respeito até dos outros músicos, por que elas sempre tiveram banda de qualidade.
Na sequência, fui acompanhar o Thúlio & Thiago que estavam fazendo bastante data, onde também gravei o primeiro DVD deles.
Como sempre tive esse negócio de liderar, de tomar à frente, cuidar de algumas coisas e já sair armando tudo… na época com os guris (Thúlio & Thiago), eu entrei como baterista, mas comecei a dar várias ideias e aí foi começando esse lance de dirigir e produzir e tal. Mas até então não imaginava um dia ser produtor ou qualquer coisa parecida, só tocava e para mim estava tudo incrível.
Soundcheck: Como foi percebendo que levava jeito para produção musical?
Flávio Guedes: Comecei a gravar, fui pegando confiança e na época, também, tinha que ser tudo muito rápido, uma faixa atrás da outra, e querendo sempre fazer algo melhor, ia dando umas ideias e comecei a perceber que essas ideias estavam ficando. Depois de pronto, tocando no rádio a maior parte das ideias estavam lá!
Depois de 2 anos e 10 meses tocando com o Thúlio & Thiago, o Jadson me fez um convite para tocar com eles (Jads & Jadson). Na época todo mundo queria gravar e isso acabou se tornando algo importante para os músicos, para se destacar tinha que estar gravando, e eu aceitei com essa condição de gravar todos os discos da dupla.
Entrei em dezembro e já em janeiro do ano seguinte, gravei a “Na Sua Estante” que tocou bastante. Quando foi começar o próximo disco e o Jadson começou a conversar comigo, ele também gostava das minhas ideias e sempre me respeitou muito, até mesmo porque eu estava gravando com todo mundo.
Soundcheck: E quando foi que você assumiu de vez o papel de produto?
Flávio Guedes: Comecei a produzir algumas coisas, fiz Thiago & Donizeti, Thalysson e Tarsila, que na época tocou pra caramba, mas eu sabia que ainda precisava fazer algo a mais para me diferenciar, foi quando comecei a mandar os discos que estava produzindo para o Claudio Abuchaim finalizar e não deu outra, os discos vinham com outro som e consequentemente melhor do que dos outros, ainda não era o bicho do trigo, mas estava melhor que dos outros.
Nesse meio tempo o Jadson começou a ver que eu estava produzindo e me chamou para fazer o disco junto com ele. Fizemos o primeiro disco com a música “Eucalipto” que tocou muito bem, depois veio o DVD que gravamos em Maringá, com a “Jeito Carinhoso” que explodiu no Brasil todo. Aí foi diferente!
Soundcheck: Esse momento pode-se dizer que foi um ponto de virada na sua carreira?
Flavio Guedes: Digamos que foi o início do ponto de virada da minha vida como produtor musical, mas não foi o que mudou a minha vida, não.
Com eles aconteceu uma coisa bastante legal porque dificilmente um artista acerta uma música na sequência da outra, e depois de “Jeito Carinhoso”, virou com “Planos Impossíveis” uma música que segurou bem e aí, meu irmão, veio a “Ressentimento”… foi quando subi mais um degrau e as coisas começaram a tomar outra proporção.
Depois disso fizemos o DVD “É Divino”, o segundo, uma megaestrutura, foi quando estourou a “Toca um João Mineiro & Marciano”, e as pessoas já começaram a associar quem estava por trás e começou a ficar diferente, comecei a ser visto como um Produtor Musical e não só como um baterista e produtor.
Soundcheck: Quando você considera que foi o momento que se consolidou como produtor musical?
Flávio Guedes: Foi quando chegou o Bruno & Barreto para gravar o primeiro trabalho deles.
Eu tinha uma bagagem, mas tinha somente um artista, e as pessoas não vê o trabalho de qualidade que você faz, elas só enxergam os seus resultados. E quando o Bruno & Barreto estourou, não tinha mais o que o pessoal falar, neh!? Pera aí, já era o segundo artista que estava dando certo.
Decidi sair da estrada em setembro, e quando foi novembro fizemos o DVD do Bruno & Barreto e quinze dias depois, estava produzindo o DVD do Conrado e Aleksandro… de setembro a novembro trabalhei todos os dias até altas horas. Só para esses dois DVDs, foram 45 músicas, mais umas 15 que estava fazendo para outros projetos, além disso, nesse intervalo de tempo, também iniciamos nesse período o projeto do Manutti.
Esse foi o melhor momento da minha carreira até então.
Fico mais feliz ainda porque estou como produtor do Jads & Jadson já tem 7 anos, mesmo depois que eu deixei de tocar, continuei produzindo e gravando, tudo aqui no Alta Frequência…. isso é o mais difícil de manter.
Manter não só o artista, mas as músicas tocando bem, o artista em alta. Como com o Bruno & Barreto que esta indo para dois anos de carreira, com 6 músicas trabalhadas e todas elas eu que produzi.
Soundcheck: Baterista, Produtor e agora Empresário, conta mais um pouco sobre isso!
Flávio Guedes: Durante esse tempo, o Manutti foi tomando uma proporção e comecei a conhecer esse outro lado, o show business, e ele me chamou para ser o empresário dele. E assim estamos indo, o cara está com dois anos de projeto, rodando e crescendo com força, cada dia mais!
E para você ver, hoje eu gravo produzo e ainda sou empresário… tudo indo sem forçar nada… tudo o mais natural possível.
Mas tem uma coisa que eu me permito muito, como: se chegar o momento que eu achar que devo fazer alguma coisa, se a vida me disser para ficar só no meu estúdio, por exemplo, eu vou sem nenhum problema. Da mesma maneira o contrario, se a vida me disser para deixar algumas coisas e viver o momento do meu artista, eu também vou sem nenhum problema.
Eu não me limito. Se sou músico porque não posso ser um produtor, se sou produtor porque não ser empresário?! Vou, como sempre fiz, deixando as coisas acontecerem.
Soundcheck: Como é ter transitado por diversos estilos?
Flávio Guedes: Mano, o mais incrível da música são as descobertas. Se eu dizer que aprendi muito tocando pagode de viola, muitas pessoas podem não acreditar, mas aprendi!
Não é o estilo que vai me limitar. Somos músicos, certo? Então, eu vou tocar um samba, moda de viola… claro que dentro de todas essas vertentes você toca algo melhor pela sua afinidade, mas deixar de tocar, jamais!
Volto no que sempre digo. Minha mente sempre foi aberta e tenho prazer em tocar… se eu tocar um show só de “tum tis tum tis tá” , eu vou tocar faceiro porque a música é isso.
O que mais me fascina na música, é que ela pode te dar inúmeras possibilidades.
Soundcheck: O fato de ser baterista, ajuda na hora de produzir e arranjar uma música?
Flávio Guedes: A maior parte das minhas produções são baseada na rítmica. Por exemplo: eu já coloquei forró, algo que não tinha muito, baião… e o mercado também caminhou para esse lado mais rítmico.
E mais, acredito que o que tem sustentado o sertanejo até hoje é essa parte rítmica. A junção de estilos e gêneros tudo misturado. Por isso que esta aí no mercado há anos e cada vez mais ganhando espaço chegando a dominar até mesmo os carnavais, hoje em dia.
Então, tudo isso que eu vivi, escutando desde lá no começo, Dream Theater, Oficina G3, moda de viola… acabou facilitando e também é deixando as minhas produções diferentes.
Soundcheck: E o que você sente quando olha para trás e vê tudo isso que já fez?
Flávio Guedes: (silêncio) Irmão, você imagina um cara que tinha que pedir pro motorista do ônibus abrir a porta de trás para poder colocar a caixa e os prato pra conseguir entrar… imagina um cara que passou por isso e que o plano era só poder viver da música e hoje tem um estúdio montado como o meu, que tem uma casa, um carro e que está aí, trabalhando como sempre.
Então, quando eu olho para trás, a única coisa que eu posso dizer é que Deus deu muito mais do que eu imaginava e queria. Gratidão por ter passado por tudo que precisava ter passado para chegar até aqui. Cada sacrifício que eu passei, eu precisava ter passado. Não tenho porque voltar na minha historia para mudar alguma coisa que eu fiz…
É muito loco estar falando isso, mas lembro de quando comprei minha primeira Titan, lembro quando eu ia tocar no frio de lascar, na titanzinha, carregando bag deferragens, prato, caixa… e eu ia faceiro por que eu estava indo tocar.
Então cara, quando eu olho para trás o que eu posso dizer é: gratidão, só tenho que agradecer à Deus! Até parece clichê, mas eu me emociono porque eu nunca falei sobre isso.
—
Mano, obrigado pela moral e por me receber ai no estúdio para esse bate-papo muito maneiro! Vlww