Realmente pude comprovar, de perto, toda essa paixão, não só pelo instrumento em si, mas por todas as histórias que cercam cada um deles. Fomos até o playground, que mais se parece com um estúdio, onde, Tuco Marcondes passa a maior parte do seu dia, criando, compondo, produzindo e experimentando todas as possibilidades que cada um de seus instrumentos oferecem.
Soundcheck: Quando começou sua história com a música?
Tuco: Desde criança, obviamente que na época eu não percebia isso, mas ouvia música de um jeito diferente… a música me tocava, vamos dizer assim!
Lembro que com 8 anos, num cinema perto da minha casa, todas as férias, tinham uma programação especial. Um desses filmes, fui assistir várias vezes, tinha uma cena que tocava uma música que era um negócio incrível… na época, em 1973, não tinha como gravar tão facilmente!
Sempre tive essa relação com a música, gostava de ouvir, de comprar discos e tal… tem músicas dessa época que eu gosto até hoje, como: Paul Simon, The Doobie Brothers, Alice Cooper…
Com 9 anos, fui estudar em uma escola onde todos tocavam flauta doce, desde o primeiro ano do primário. Todo mundo ensaiadinho, bonitinho, cada flauta fazendo um negócio… e eu sem entender nada!
Até que um dia, alguém me disse para tampar todos os furinhos e ir soltando, de baixo para cima, um furo por vez. Aquilo foi como descobrir o fogo! Nesse momento percebi que eu tinha um bom ouvido e uma boa memória musical. Do nada, comecei a tocar todas as músicas que eu ia lembrando… e pirei!
Minha família vendo aquilo, me perguntaram se eu queria aprender flauta transversal e disse que queria, sim.
“Não tinha uma atração especial por nenhum instrumento.
Talvez se em casa tivesse um piano, hoje seria um pianista!”
Mas precisei usar aparelho nos dentes e o professor de flauta disse para os meus pais não comprar a flauta, o aparelho iria atrapalhar e não ia conseguir tocar.
Soundcheck: Como e quando começou a aprofundar seus conhecimentos musicais?
Tuco: Sou um músico autodidata e aprendia ouvindo os discos! Comecei tocando violão popular com meu tio-avô, carioca, que tocava violão e violino, que quando vinha para São Paulo, sempre me ensinava algumas coisas. Devo muito a ele, me ensinou tocar um choro, super difícil, que me fez aprender muito sobre violão e música, saca?!
Comecei com violão popular, tocando música brasileira e depois fui para o folk, rock’n’roll… Eu não sou um cara acadêmico, não tenho uma formação e não leio muito bem partitura. O fato de ter um bom ouvido, facilitou muito.
Minha ferramenta mais útil até hoje, como instrumentista, produtor… é meu ouvido e a minha memória musical, sem dúvidas!
“Tem música que eu não ouço, desde quando tinha 5 anos de idade.
Mas se você me pedir para tocar hoje, eu toco!”
Lá no Zeca, a banda toda, também tem isso! A gente ouve a música uma vez e já sai tocando. Não é um mérito, é uma coisa que nasceu com a gente e que ajuda muito!
Soundcheck: Quando descobriu que seria um músico?
Tuco: Nesse meio tempo minha irmã tocava um violãozinho e eu comecei a brincar também… cada vez mais. Era a música querendo sair!
“Com 13 anos de idade descobri que eu era músico.
Seria músico ou morreria tentando!”
Embora tenha feito faculdade de jornalismo e tal, não tinha um plano b… desde quando comecei a tocar, não parei mais.
Soundcheck: A primeira vez em um palco, como foi?
Tudo: Quando tinha 14 anos, fui tocar no festival do “Colégio Objetivo” no Ginásio do Ibirapuera para umas 15 mil pessoas!
Foi a primeira vez que subi em um palco. Tocando na banda de uns amigos, mais velhos, fazendo country com um bandolim que tinha ganhado do meu avô!
Soundcheck: Quem foram suas influências?
Tuco: Foram muitas! Aquelas músicas que você ouve até seus vinte e poucos, trinta anos, são as músicas que vão te acompanhar para o resto da vida. Depois disso, cada vez mais, as músicas serão mais instantâneas.
Na rádio, AM na época, tocava Milton Nascimento, Vanusa, Odair José, Elis Regina, Baden Powell… músicas que todo mundo sabia cantar e tocar. Minhas influências era o que eu tinha para ouvir!
“A primeira vez que ouvi Dire Straits, tocando “Sultans Of Swing” eu fiquei alucinado!”
Então, as influências foram muitas… Beatles, foram os caras me mostraram que existia essa profissão de músico, que até então não tinha caído a ficha. Queen, também foi uma banda que quando ouvi pela primeira vez, marcou! Foi o primeiro show internacional que eu assisti ao vivo, no estádio do Morumbi, em 81.
Hoje graças a internet e todos esses aplicativos, estou conseguindo buscar coisas que eu não escutava a muito tempo!
Soundcheck: Começou com a flauta e mesmo sem ter atração por um instrumento em especial, hoje toca vários, como é isso?
Tuco: Você tocou em uma questão bem interessante! Sou autodidata e tenho uma facilidade de pegar um instrumento e logo fazer alguma coisa. Faço uma musiquinha, um trecho ou qualquer coisa parecida….
“A partir da hora que eu descubro a mecânica do instrumento,
já começo a inventar alguma coisa.”
E aí, alguns instrumentos, principalmente no universo das cordas, possuem mais semelhanças. O que muda é uma afinação, quantidade de cordas, timbres… Cada um guarda um universo de cenários, sons, timbres e aromas. Que você só descobre quando pega o instrumento.
O piano é um dos instrumentos que sempre me fascinou! Sentava no piano e já começava a fazer combinações de notas… eu adorava ir na casa de quem tinha piano. (risos)
“Na minha adolescência, namorei uma menina,
por que ela tinha um piano em casa.
Passava o dia inteiro lá… mexendo no piano dela!”
Foi coincidência ter virado guitarrista, se tivesse piano em casa, hoje eu seria um pianista que talvez brincasse com outros instrumentos! Essas coisas sempre me atraíram, eu adoro um instrumento diferente!
Gosto também de pegar um instrumento de um gênero e levar para outro… por exemplo, o banjo bastante utilizado no country music, que fica ótimo no xote.
Soundcheck: Você buscou isso, tocar a maior quantidade de instrumentos?
Tudo: Não… Eu sempre busquei a música! O instrumento é exatamente o que o nome diz, instrumento.
Um veículo para eu acessar aquele universo de sons, ideias e emoções! Então é assim… o que me atrai é justamente a possibilidade de sentir o que ele tem para oferecer.
No Zeca, eu toco guitarra, violão, e em uma, ou duas músicas, faço na gaita e tem muita gente que chega para mim perguntando se eu sou o cara da gaita da banda do Zeca Baleiro… enfim! (risos)
Soundcheck: Tocar toda essa variedade de instrumentos, te ajuda em algum momento?
Tuco: O que acontece… quando estou compondo em um instrumento, como o violão, que eu tenho mais intimidade, possuo alguns caminhos, por ser o instrumento que eu tenho um certo domínio… sei por onde andar!
Quando eu pego, por exemplo, um banjo de cinco cordas, a afinação e a construção dele é tão diferente do violão, que quando vou compor com ele, vou para outros lugares. As ideias são diferentes de quando estou compondo com o violão. Isso acontece com qualquer outro instrumento, eles são fascinantes por causa disso.
E por tocar instrumentos diferentes, mesmo não sendo especialista em nenhum, eu pego a linguagem de um e transfiro para outro e fico fazendo esse crossover de ideias.
Soundncheck: De onde surgiu essa paixão pelos instrumentos?
Tudo: Teve um dia que um amigo chegou em casa, viu todos meus instrumentos e me perguntou: – Falta algum? Fiquei pensando e disse: – Sim, faltava uma cítara indiana!
Na mesma semana encontrei um Hare Krishna, no farol, vendendo algumas coisas, e perguntei onde poderia encontrar uma cítara e ele me deu um nome de uma rua e um número… abriu o farol e fui lá, na hora! Toquei a campainha e perguntei se era ali que tinha cítaras para vender. E tinham três… pegue a mais barata, e fui direto no meu luthier, botamos as cordas, afinamos e fui para casa. Chegando lá, fiz uma música nela! No dia seguinte voltei no cara que me vendeu e troquei a cítara por outra, mais legal! (risos)
E aí, cada instrumento, como os indianos, que eu tenho alguns, me levam para outros lugares, outros universos… tem até uma coisa neles que é física! É começar a tocar e logo da até uma baixada nos seus batimentos cardíacos e você fica mais calminho, sabe?!
Aí entra uma outra coisa… eu tive um avô marceneiro e dois irmãos da minha vó, um deles fabricante de violino e o outro era esse que tocava e me ensinou os choros e tal… sempre tive essa relação muito próxima com os instrumentos, com a madeira… lembro que desde sempre, eu era fissurado por instrumentos!
Soundcheck: Quais os momentos que te fizeram ser um produtor musical?
Tuco: Quando comecei a tocar um pouco melhor, com uns 15 anos, comecei a ter ideias para outros instrumentos. Sempre tive a curiosidade de querer escutar como seria a tal música tocada da maneira que eu estava imaginando. A partir daí, comecei a compor e gravar coisas por experiências.
Pegava dois k7, fazia uma ligação totalmente caseira, que cada vez que eu adicionava um instrumento, aumentava o chiado! (risos) Era assim, mas pelo menos conseguia ter ideia de como soava.
Quando veio os gravadores de 4 canais, fazia isso duplicar! Gravava três instrumentos, copiava esses instrumentos gravados para um único canal, liberava mais três… e assim ia gravando, saca?!
E quando comecei a trabalhar com isso, eu já tinha um certo background de como seria uma produção, como é construir uma música.
Paralelamente a isso, quando fui a primeira vez gravar em um estúdio profissional. Os caras gostaram de mim e começaram me chamar para gravar. Na sequência, como os caras trabalhavam com jingle, começaram a passar algumas produções também. As vezes tinham outros músicos e muitas vezes não… tinha que fazer tudo sozinho!
Então hoje, com os samplers, acabo fazendo muitas coisas sozinho. Te mostro algumas coisas que você nem vai perceber que é a mesma pessoa que fez.
Esse universo de jingles, trilhas… é uma delicia! Além de utilizar a criatividade, eu tenho o controle de tudo. Gravo, edito, experimento vários instrumentos e finalizo.
Soundcheck: Quando surgiram suas primeiras experiências como sideman?
Tuco: O pessoal do estúdio onde eu estava começando a gravar, tinha uma banda de covers, que tocava toda sexta, onde hoje é o hoje o “Na Mata Café”, e aos domingos na choperia do Sesc Pompéia.
Comecei a gravar e tocar na noite, fazer uma grana e conhecer um monte de gente do meio musical. Assim fui ampliando os horizontes.
Soundcheck: Trabalhando com grandes nomes na música, teve algum momento de maior exposição?
Tuco: Na segunda metade dos anos 80, começando entrar em um mundo mais profissional e gravar com gente grande… cheguei tocar com a May East, fiquei amigo dos caras do RPM e numa dessa, conheci o Edson Cordeiro.
Na virada para a década de 90 o Edson começou uma carreira solo. Tinha sido descoberto por um empresário, que deu uma organizada em tudo, chamou o Miguel Briamonte (pianista), para fazer a direção musical. E o primeiro show, que aconteceu no Rio de Janeiro… bombou!
Lá pelo terceiro show ele lembrou que eu tocava um pouco de violão flamenco e me disse que queria fazer um número… violão e voz, cantando “Carmen” de Bizet (compositor). Fiz o arranjo e fui fazer as participações no show, que era de mais, com uns puta músicos e um repertório super eclético!
Logo me chamaram para entrar na banda… como eu tocava guitarra, gaita e fazia vocal, já me aproveitaram!
Nessa época, ele estourou. Foi o show mais visto, no verão de 91. Fomos para fazer uma temporada de duas semanas, no Rio, e ficamos 4 meses… na sequência um tour nacional, internacional, disco… foi uma experiência muito enriquecedora!
Aí, em 94, sai da banda. Estávamos na Europa e aproveitei para air até a Escandinávia, conhecer minhas raízes “vikings”!
Esse trabalho me deu muita exposição, acabei sendo visto por muita gente!
Soundcheck: Em qual momento, você decidiu investir na própria carreira e gravar o primeiro disco?
Tuco: Sempre fui compositor, e na volta para o Brasil, gravei o meu disco “Tuco Marcondes Band”. Chegamos a tocar bastante, só que o momento do mercado estava péssimo, o rock’n’roll estava completamente em baixa.
As prioridades também mudam, ainda mais, quando você tem um filho… e a minha filha nasceu! Na mesma época, me ligaram da Fafá de Belém, com uma proposta bacana e eu topei, na hora! Fiquei com ela dois anos e meio.
Soundcheck: Quando surgiram os primeiros trabalhos com o Zeca Baleiro e o que te faz estar lá todo esse tempo?
Tuco: Nesse período, ainda tocando com a Fafá, eu já tinha uma certa amizade com o Zeca e com muitos outros artistas que eu sempre trabalhei, fazendo shows, gravando…
Foi quando o Zeca, ainda no início da carreira, me chamou para produzir uma música, que a gravadora não estava querendo colocar no disco. Ele deu a oportunidade para produzir essa faixa, a gravadora gostou do resultado e a música “Skap” entrou no primeiro disco!
No segundo disco, fiz o violão base na música “Lenha” e apareci no videoclipe, fazendo uma ponta como ator! (risos)
Aí ele me chamou, disse que estava mudando a banda, ia gravar o terceiro disco “Líricas” e me convidou para fazer os arranjos junto com ele. Saí da Fáfa e fui tocar com o Zeca, onde estou até hoje!
“Ele é um dos poucos casos,
em que a música é tão boa quanto a pessoa!”
O Zeca é um dos caras mais íntegros que eu já conheci e trabalhei! Um cara de uma generosidade, humildade e um talento que eu nunca vi combinados em nenhum outro artista. Ele é um cara extremamente justo! Não estou dizendo isso por que é meu amigo, antes mesmo, de ser meu patrão. E sim pelo jeito dele ser, que inspira todas as pessoas que estão ao seu redor!
Soundcheck: Ainda podemos esperar alguma coisa, do Tuco Marcondes Band?
Tuco: Estou fazendo, finalmente, o meu segundo disco, que terá canções e músicas instrumentais. Tem até uma valsa que fiz em homenagem ao meu tio-avô, aquele que me ensinou o primeiro choro.
Um disco sem a menor pretensão de fazer sucesso, será um disco simplesmente para deixar todas essas músicas registradas.
Está saindo, graças a pressão de muitos amigos, que me cobram isso! (risos)
Tuco, obrigado por nos receber em sua casa e compartilhar todas essas histórias com a gente! Queremos acompanhar de perto as próximas produções e claro, acompanhar a evolução do seu segundo disco… gostaria de falar dele aqui no blog! Valeu
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