Em todos os bate-papos, a cada história, eu me divirto muito, dou risadas, me emociono e aprendo! Sim, aprendo de verdade com cada uma dessas lições de vida, que servem como aprendizado para todos nós!
Com essa entrevista não poderia ser diferente, não só pelos feitos que o tornaram um “mito” – como gostamos de chamar as pessoas que admiramos – mas por tudo que esse cara passou, fez pela e para a música brasileira.
Soundcheck: Quem foram suas primeiras influências?
Luis Gustavo: Por parte de pai, minha vó Lucía, que tocava bandoneon e meu avô por parte de mãe, Antônio Perez, que tocava violão e cantava. Eu via eles tocando e acho que isso foi o que chamou a minha atenção.
Minha família, principalmente minha vó e minhas tias, pelo lado da minha mãe, escutavam muitas músicas paraguaia. Acredito que pelo fato do meu avô ser do exercito e ter morado durante um período na fronteira com o Paraguai. Eles ouviam muito aquelas músicas folclórica argentina, músicas com harpas, o próprio chamamé, huapango…
Desde pequeno, tive um contato muito próximo, meu pai me deu um violão… a música é uma coisa que já nasceu comigo.
Soundcheck: Aqui no Brasil, quando foi que você começou a tocar?
Luis Gustavo: Meus pais estavam passando por uma certa dificuldade e como, aqui no Brasil não tínhamos família, não tinha um tio, um primo… não tinha ninguém que pudéssemos pedir alguma coisa. Vendo aquilo, decidi que poderia ajudar e a partir dai, comecei a tocar na noite.
Isso foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida, como músico. Por que comecei a tocar na noite para ganhar um dinheiro extra… fazia várias entradas na mesma noite para voltar para casa com alguma coisa.
Soundcheck: Como surgiu o seu interesse pelo estúdio?
Luis Gustavo: Não sei porque, mas sempre tive o sonho de trabalhar em estúdio. E aí, olha que loucura, cara!
Um dia, imprimi alguns cartõezinhos, consegui alguns endereços de estúdio e fui de porta em porta, com o discurso de que eu era músico e estava querendo uma oportunidade e tal… e em uma dessas, estava o Maestro Maldonado, paraguaio, que logo percebi pelo sotaque e já mandei um espanhol. (risos)
Ele, o Maldonado, foi um cara que me ensinou muita coisa, um ser humano incrível! Esse cara simpatizou comigo, viu a minha situação, e com o intuito de me ajudar me deu a oportunidade de começar a trabalhar com ele. Agarrei com unhas e dentes como eu sempre fiz, com todas as oportunidades. Ele foi um dos caras que acreditou em mim de graça!
Soundcheck: Tiveram outras pessoas que te ajudaram, durante sua carreira?
Luis Gustavo: Em uma dessas gravações com o Maldonado, conheci o Maestro Martínez que tinha ido gravar piston. Ele gostou do meu jeito de tocar – algo que ajudou muito – e se identificou com a minha história de vida, por que ele também passou por uma situação muito parecida, se não pior, quando ele veio da Espanha para o Brasil.
O maestro sempre foi muito rígido comigo, um cara exigente e que me ajudou vendo minha dificuldade em certos ritmos. Como sempre foi muito atencioso comigo, escrevia para que eu conseguisse pegar tudo. O que me ajudou foi a minha facilidade com a leitura, de quando estudei música na Argentina.
Eu tive muita sorte, bicho! Tive sorte de estar em situações e momentos, onde soube aproveitar todas essas oportunidades. Muitas pessoas me ajudaram a chegar até esse cara, o Maestro Martínez, que o considero como meu segundo pai. Devo muito a ele, foi quem mudou a minha vida e me deu oportunidades.
O Walter Barreto, também foi um cara que me ajudou, vendo minhas dificuldades mostrou algumas cosias, algumas levadas de baixo e gravou uma fita k7, que devo ter até hoje, com algumas polcas, rancheiras, guarânias… coisas que gravavam na época!
Soundcheck: Como conseguiu entrar no mercado das gravações, trabalhando com vários produtores?
Luis Gustavo: Através do Martínez, eu conheci muita gente, como o César Augusto (produtor), que eu tive a honra de trabalhar e trabalho até hoje, um cara maravilhoso que Deus colocou na minha vida.
Na sequência vieram oportunidades com outros produtores, como Daniel Salinas, Oscar Safuan, Herera, Julinho Teixeira, Guto Graça Melo, o pessoal do Roupa Nova, Mário Campanha, Pinóquio, Dudu Borges, Ivan Miyazato…
Soundcheck: Como é transitar entre várias gerações do cenário musical?
Luis Gustavo: Eu sempre me preocupei com essa coisa de não ficar preso no tempo. Graças a essa postura de sempre escutar tudo e estar aberto as novidades, pude transpor essa barreira de uma geração para outra, continuar trabalhando até hoje e ter, de alguma maneira, contribuído para formação de outros músicos e artistas que surgiram.
“Nós somos a mão de obra básica da música.
É como me coloco para atender a todos”
Realmente, isso é gostar de música em si, não é uma questão de se atualizar, é o gostar!
Soundcheck: Quais suas preferências musicais?
Luis Gustavo: Eu gosto de música de uma maneira geral, ouço tudo, tem coisas que me agrada mais, tem coisas que não me agrada… mas estou sempre aberto a escutar qualquer coisa, independente de gênero musical.
Também gosto de música instrumental e toquei, durante uma época, em várias bandas e durante uns 3 anos em um trio com o Faiska na guitarra, o Sandro Haick na bateria, que é um grande músico que toca tudo e supertalentoso. Era muito legal, tocávamos em várias casas desse circuito da cena instrumental de São Paulo.
Às vezes as pessoas acham que por eu tocar contrabaixo, ouço só músicas focadas no baixo ou por alguns músicos estarem tocando. Mas não é verdade, ouço muita música clássica, por exemplo.
Gosto muito do trabalho de um cara que é um ícone da música clássica no Brasil – João Carlos Martins – e tenho muitas influências nas coisas que eu faço, nos meus arranjos… Inclusive o DVD “Chitãozinho & Xororó, 40 anos”, ganhador do Grammy e que fiz a direção musical, foi com a sinfônica junto com o Maestro.
Soundcheck: Como você conheceu o maestro João Carlos Martins?
Luis Gustavo: Conheci em um almoço na casa de um amigo em comum, aqui de Itatiba-SP. Ele é uma figura incrível, com uma história de vida incrível e uma pessoa maravilhosa. Li um livro dele “A Saga Das Mãos” e fiquei ainda mais fã. Vale muita a pena ler e recomendo para várias pessoas. É uma história de vida que merece um filme, realmente é uma historia interessantíssima!
Soundcheck: Qual é a sua relação com Campo Grande – MS?
Luis Gustavo: Campo Grande tem uma música muito forte, tem uma mistura de música paraguaia, argentina, gaúcha… que tornou a música tão interessante e que tem feito bastante sucesso pelo Brasil, com o novo sertanejo que incorporou tudo isso e que eu tive uma boa participação, descobrindo o Grupo Tradição e trazendo eles para São Paulo.
O que me chama a atenção na música sul-mato-grossense, foi a proximidade com o Paraguai, com esse acordeon melodioso que fez grandes músicos como o Dino Rocha, que é um mestre, toca bonito e que tive o prazer de conhecer… arrepia só de lembrar! Adoro essas coisas, me remete as festas na casa da minha vó, meus tios…
Soundcheck: Como você descobriu o Grupo Tradição?
Luis Gustavo: Foi assim! Estava produzindo um disco do Chitãozinho & Xororó e fui para Campo Grande fazer um show, assim que acabou saímos para jantar e fomos em uma casa/churrascaria, e lá estava o Tradição tocando.
Quando vi esses caras tocando não acreditei, o Anderson Nogueira tocando batera, o Gerson no acordeon, o Michel Teló na gaita ponto, o Arapiraca na percussão… aquela batida…. O que era aquilo cara, um absurdo!
Resumindo os caras me deram o CD “Grupo Tradição Ao Vivo” tem aquela música “A Brasileira” mau tinha letra, só um refrão e o resto era uma puta levada que eu fiquei doido! Peguei o CD e trouxe para São Paulo!
O Max Pierre, tinha me mostrado uma música e disse que queria uma onda meio Gipsy Kings. Mas em uma viagem de carro com o Chitão, mostrei o disco do Tradição e disse para escutar. Ele mostrou para o Xororó… enfim, os dois gostaram muito! Nesse momento disse que queria fazer com esses caras, aquela música que o Max tinha pedido, e resolvi chamar o próprio Tradição para gravar.
Os caras vieram em um bate e volta, mil quilômetros até Campinas, para gravaram tudo em um dia e voltarem. É aí que você vê a vontade dos caras, bicho! O Michel dirigindo… uma baita loucura, só para atender a gente.
Soundcheck: Como foi produzir o Tradição, um grupo regional, para lançar no cenário nacional?
Luis Gustavo: O desafio na época, era fazer com que aquela batida junto com a sanfona, que era legal pra caramba, se tornasse algo comercial.
Tinha também a questão, de que quem cantava no Tradição era o Anderson, que cantava da batera, na frente o Serjão e algumas o Michel. Eu achei que a cara do Tradição tinha que ser algo mais jovial, e vendo o Michel cantando algumas músicas, achei que teria que ser ele o vocal. Tem o lado comercial que a gente está sempre vendo, lógico, mas ele cantava legal e tinha potencial.
Quando você pensa em uma banda, independente do estilo, sempre tem uma cara, e geralmente associada a um vocalista, um líder. E lá não tinha isso, pelo fato de cada um cantar um pouco.
Era uma mistura muito legal para o baile, por não ficar uma coisa enjoativa, mas para um show não é legal. Precisa marcar, ter uma imagem e para mim, essa imagem era a do Michel, que deu superconta do negócio. Não é atoa que virou o que virou!
Soundcheck: Como é trabalhar com vários gêneros musicais?
Luis Gustavo: Já fiz muitos trabalhos em diversos gêneros, mas acompanhar artistas foram poucos. Toquei por João Carlos Martins, Chitãozinho & Xororó e hoje estou com Pedro Mariano, que é um outro mundo, muito legal.
Lá no Pedro, divido palco com músicos maravilhosos como o Conrado Gois, Marcelo Elias, o Thiago Rabello, Otavio de Moraes… e o Pedro Mariano que é um super artista, músico e um cantor que se preocupa em executar o seu instrumento, muito bem executado… fora o talento natural, inegável, que ele tem.
Hoje em dia tem sido assim, como esses dias atrás gravando o DVD do cantor Daniel, alguns dias antes estava fazendo um show com o Pedro Mariano, junto com a orquestra sinfônica, depois o DVD do Munhoz & Mariano, gravado em Campo Grande.
Tudo bem que o contrabaixo tem uma função básica, mas em cada um desses trabalhos ele se comporta de maneira completamente diferente, eu gosto disso e faço todos esses trabalhos com muito prazer!
Soundcheck: Tiveram algumas músicas que marcaram?
Luis Gustavo: Várias músicas me marcaram, tive a oportunidade de gravar muitas, com muitos artistas, mas foi a “Vá Para O Inferno Com Seu Amor”, uma das que mais marcaram e vou te falar o porque!
Nessa música, eu gravei baixo, programei a bateria e mais algumas coisinhas no teclado, mas ela marcou por porque tem uma história muito engraçada! Essa é mais uma das músicas arranjadas pelo Martínez, mas que contribuí bastante, com alguns pitacos, vamos dizer assim.
O arranjo dela era de sanfona aí, eu meio secretário do Martínez, fui comprar papel de arranjo que só vendia em uma loja lá no centro. Como um dia antes já tínhamos mexido nessa música, eu estava com ela na cabeça. Na volta carregando aquele pacote desajeitado de papel de arranjo, encontro um grupo de músicos bolivianos, tocando, com charango, zamponha e tudo mais, aquilo me deu uma baita ideia.
Voltei para o estúdio, cheguei no maestro e disse que já sabia o que fazer na música. Colocar a zamponha no lugar da sanfona que iria ficar demais, porque tinha acabado de ver alguns bolivianos tocando… e foi daí que saiu esse arranjo que escuto até hoje.
Outra música que marcou, foi uma que gravei com a dupla Tiãozinho & Alessandro, “Fui Dando Porrada”, o primeiro chamamé que teve um baixo com slap. (risos)
Eu lembro de ter dito para o Martínez que, como a letra falava: fui dando porrada… achava que estava muito leve, e dei a sugestão de fazer a levada em 6/8 e vim fazendo slap. Ele sempre muito inovador, gostou da ideia e disse que poderíamos fazer. Essa me marcou, porque recebi uma carta, na época, endereçada para o estúdio me cumprimentando por causa dessa música.
Soundcheck: Como surgiu a oportunidade de tocar com Chitãozinho & Xororó?
Luis Gustavo: Na época, eu estava gravando um disco deles, e me lembro que gravamos na quarta, quinta e tinha show na sexta e sábado.
E o que aconteceu, na quarta feira o Homero Bettio, na época empresário dos caras, me disse que o baixista tinha saído e que não sabia o que fazer. Tinha esses dois shows e ele me pediu para fazer.
Até argumentei, que os shows estavam muito em cima e ainda teriam as gravações para fazer, que entravam madrugada a dentro, mas não teve acordo. No outro dia o secretário dele me mandou uma caixa de sapato cheia de fita k7 e algumas anotações: fita 01 escutar a música número 7… imagina, ainda tinha que procurar as músicas em várias fitas. Fui para casa, bicho, e tirei tudo!
Antes do show os caras me chamaram no camarim e disseram que naquele dia não precisavam fazer o show completo e queriam saber quais as músicas que eu estava mais confortável. Eu disse que poderia tocar todas, que tinha tirado tudo e todas estavam escritas. (risos)
Fiz o show na sexta e do sábado, e quem disse que ele deixou eu sair. Insisti para não ficar na banda por que estava começando a gravar bastante e tinha medo de perder as gravações por causa dos shows. Mas acabou que deu tudo certo, fiquei com eles durante 14 anos, muito bem vividos, e consegui me manter nas gravações.
Soundcheck: Quais os próximos objetivos?
Luis Gustavo: Eu gostaria de continuar fazendo o que eu faço, com o mesmo amor que eu sempre fiz, desde o primeiro dia que eu tive a oportunidade de entrar no estúdio. Aquela emoção, ah essa eu gostaria de manter por muito tempo, pelos anos que Deus permitir eu continuar trabalhado.
Luis, meu amigo, transcrever a sua entrevista foi algo que me fez relembrar histórias da minha vida que foram embaladas por músicas produzidas por você. Confesso que não foi fácil resumir toda a emoção e riqueza dos detalhes em um único post, mas não vão faltar oportunidades de contar outras grandes histórias. Pode contar com o maluco aqui, para colocar aquele projeto para rodar!
Obrigado Felipe Bredariol, por ter sido a peça fundamental para que esse encontro acontecesse. Vlw ae meus amigos!